E quando subi lá na tribuna da Câmara de Vereadores, em frente àquelas pessoas, cidadãos, e vi, ao meu lado, alguns vereadores, detentores do direito de legislar, sobre nós e para nós, e os representantes dos empresários responsáveis pelo maior problema urbano de Foz do Iguaçu, senti que, apesar dos medos, eu precisava dizer tudo o que eu disse e, quem sabe, um pouco mais.
A população esteve presente na Audiência Pública do Transporte Coletivo, chamada pelo vereador Nilton Bobato, para tratar das mudanças implementadas, e depois retroagidas, no Sistema de Transporte da cidade.
As pessoas foram obrigadas a ouvir, durante mais de uma hora e meia, vereadores fazendo auto-propaganda e o diretor da autarquia que fiscaliza e regulamenta o setor explicando o porquê de o processo de licitação ter sido benéfico à cidade. Escutar o presidente do Sindicato das Empresas falar que o grau de satisfação por parte dos usuários é alto. Apreciar o engenheiro que coordenou o projeto de mudança apresentando o gráfico, maravilhosamente elaborado para confundir nossa vista, mostrando que o tempo médio de viagem, em uma cidade do tamanho de Foz, caiu de 111 minutos para 83 minutos.
Nós, cidadãos, ali sentados, pasmos, nos sentíamos palhaços frente a tudo aquilo. Nós utilizamos o transporte. Eles, eu creio, não. Nós sabemos dos problemas. Sentimos calor nos ônibus apertados, ruins e demorados. Nos machucamos nas roletas feitas sem ergonomia. Passamos horas nos pontos baratos e expostos à chuva, ao sol e ao vento. Nós sabíamos o quanto aquilo tudo era um achaque à nossa inteligência.
Aberta à palavra, fomos até lá.
Eu era o segundo inscrito. O primeiro foi um rapaz. Ele apresentou um discurso coeso, sobre a importância, para a cidade e para o turismo, de um transporte de qualidade. Defendeu os funcionários do setor e falou do transporte nos bairros. Somente pecou ao dizer que a frota de ônibus em circulação era de qualidade quando, na verdade, é nova, mas somente nova, sem rampas de acesso, sem rebaixamento para cadeirantes, sem climatização, etc. Sem falar nos ônibus velhos, pintados de verde, circulando por aí.
Quando fui chamado, levei comigo uma anotação que nem usei. Era preciso tentar, em três minutos, colocar em prática tudo aquilo – ou boa parte daquilo – que venho falando neste espaço, a você, nobre leitor.
Na tribuna, em frente aos moradores da minha cidade, ao lado dos vereadores e representantes dos diversos setores envolvidos, tive de gastar boa parte do meu precioso tempo – pois eu representava muitos ali, por ser, como eles, cidadão – para dizer ao representante das empresas que aquilo era monopólio. E pior: monopólio em serviço básico. Ora, monopólio em venda de roupas, em postos de gasolina, em educação privada, todos normais em Foz do Iguaçu, a gente entende, mesmo sem concordar, pois é a luta pelo mercado consumidor. Mas transporte, não. Aí você mexe com famílias, com pessoas das diversas classes, com muitos que tem, com o ônibus, a única forma de se deslocar ao digno trabalho. Aí você mexe com serviço público básico, com serviço fundamental, inerente ao direito à cidade. Eu ataquei o monopólio. Falei da frota velha. Falei do “lenga-lenga” de estar sempre “no vermelho”, “quebrado”, “quebrando”, “falindo”, “perdendo passageiros”, e todos os velhos argumentos, que ouço desde pequeno.
Falei da falta de respeito com o trabalhador que sai do Terminal depois de um dia pesado de trabalho e vai para os bairros periféricos, num trajeto que deveria durar 15 minutos, e passa uma hora fazendo “turismo”, perdendo seu tempo de estar com a família ou participar de sua comunidade.
Eu nem dei bola para o papel que eu havia preparado.
Falei do aproveitamento de linhas, da diminuição dos carros, da falta de conforto, do desrespeito a mim e a todos que estavam ali. Falei da ousadia do engenheiro de ir lá defender aquele projeto visivelmente falho, errado, ineficiente e, pior, de ter dito que foi feito com base em uma pesquisa de resultados, indiscutivelmente, longe dos anseios dos usuários. Expliquei, para aqueles que só veem o dinheiro, o quanto não duvido da diminuição do número de passageiros (o pesadelo de todo dono de empresa de ônibus), mas o quanto, também, eles são os maiores culpados, por prestarem um serviço ruim e obrigar a população a se deslocar por outros meios, prejudicando a cidade como um todo.
E quando vi, eu tinha 3 segundos e só pude dizer boa noite.

* Luiz Henrique é Dramaturgo, anda de ônibus e, como só quem anda de ônibus, sabe bem do que está falando quando critica o transporte de Foz: ineficiente, caro e sem respeito ao cidadão. @LuizHDias (blogdoluiz.com.br)