Semana passada, em algumas aulas de expressão e comunicação, trabalhei o assunto da “cultura pessoal” e foram aulas bem produtivas, pois conversamos e debatemos muito. Pude observar a satisfação de meus alunos, quando aprenderam conceitos de auto percepção: como olhar, analisar e compreender nossa cultura pessoal que é tudo aquilo que forma nosso comportamento, atitudes, o jeito como nos vestimos, o que comemos, o que ouvimos, enfim, um olhar para o nosso ser individual e em sociedade.
Parece coisa óbvia, mas ao praticar o exercício da análise de nossos sentimentos, consequentemente tomamos a consciência e a percepção dos sentimentos dos outros. Com isso o relacionamento humano poderia tornar-se muito mais fácil, afinal, a cada dia, construímos a nossa personalidade, fazemos nossa leitura de mundo e a leitura do outro ou, pelo menos, é o que deveríamos fazer.
Muitas vezes, um conflito, por exemplo, poderia ser evitado ou sua solução seria muito mais amena se cada um dos envolvidos nele fizesse a reflexão e a ação da compreensão do comportamento do outro, associando-o à cultura pessoal sem deixar que o calor do embate, nos faça esquecer a estrutura familiar do outro, a sua infância, as suas leituras de mundo e as demais experiências, ou seja, os fatores essenciais para a constituição emocional e psicológica de um ser humano.
Poucos dias atrás, aconteceu um episódio comigo que vou demorar um bom tempo para esquecer; isso se eu não levá-lo ao palco, na primeira oportunidade. É uma breve história, inclusive já a contei para alguns amigos e colegas. Foi na manhã de um dia de trabalho, aproximadamente às 8hs.
Tomei o ônibus na Av. República Argentina, aqui de Foz. Dei 5 reais ao cobrador que, ao ver a nota, nem quis pegá-la. Fez uma expressão de raiva, esmurrando a gaveta dos trocados e soltou um palavrão, desses que começam com “p”. Um pouco assustada perguntei:
– O que foi moço?!
E ele:
– Não tenho troco!
Eu surpreendida:
– Nossa! Mas são apenas 5 reais!
– Olha aqui, respondeu ele levantando cédulas de 10 e 20, só recebi nota grande até agora. Não tenho troco moça!
Aí conclui:
– Moço, desculpe, mas não posso fazer nada!
Então, com um ar vingativo e aquele tom de punição, descarregou:
– Ah é? Peraí então…
Abriu outro compartimento de sua gaveta e me deu todo o troco só com moedinhas de 10 centavos. Atônita e um pouco sem graça agradeci. Sentei-me no penúltimo banco e desandei a chorar. Chorei copiosamente, com óculos escuros e um lencinho de papel servindo como disfarce. Ainda bem que quase não havia ninguém no ônibus. Depois das lágrimas, comecei a brigar comigo mesma:
– “Claudia! O que é isso? Precisa mesmo chorar?”
Aí lembrei que eu estava chorando por dois motivos: um era a TPM (tudo parece maior), algumas mulheres soltam raios e trovões. Eu viro uma manteiga derretida… E o outro motivo era por ter visto uma pessoa usar uma tamanha agressividade tão desnecessária. O cobrador poderia ter falado de várias formas comigo, mas escolheu a pior. Minha atitude também não foi correta. Em vez de chorar eu deveria ter falado com ele da maneira mais educada e serena possível. Teria sido a ocasião para um discurso objetivo para proporcionar-lhe a percepção de que existem outras formas de se dizer a mesma coisa, sem agredir.
Que pena, mas é tão comum vermos a agressividade no cotidiano de alguns e estes, geralmente, nem percebem o sofrimento que provocam nos outros. A expressão corporal, a musicalidade e o tom da voz denunciam a hostilidade. Por vezes, isto ocorre até involuntariamente, mas quando nos damos conta, o estrago já foi feito.
Nós, seres humanos, temos todo o direito de expressar nossos sentimentos, mas para isso, um dos caminhos mais indicados é a arte. Através dela, temos plenas condições de nos comunicar com os que nos cercam e, dessa forma, não corremos o risco de despejar nos outros os nossos bichos. Para que isso aconteça, creio que o primeiro passo, seja o da auto percepção. Um ato que pode ser difícil, mas não é impossível.
*Claudia Ribeiro é atriz, contadora de história, produtora, dramaturga e professora.