Segunda-feira, 21h, Terminal de Transporte Urbano.
Havia, ali, uma série de pessoas comuns.
Havia, ali, diversos trabalhadores, estudantes e turistas.
Eu, com uma amiga, cheguei para pegar uma conexão, que poderia ser a linha Morumbi ou Primeiro de Maio, e nos colocamos a esperar o próximo ônibus. Quase meia hora depois, surge, pela entrada do terminal, nosso tão esperado meio de transporte.
Naquele momento, éramos todos como porcos lutando por comida: todos se espremem, se empurram, se odeiam. Um amigo, desses vislumbrados com as maquiagens urbanas espalhadas pelo mundo, certa vez disse que “em outras cidades, as pessoas esperam em fila para embarcar”. Mas será o cidadão de Foz mal-educado? Ou será que esperar por dezenas de minutos, depois de um dia estafante de trabalho, para utilizar um serviço péssimo, caro, planejado pela lógica do lucro de quatro empresas monopolistas, não pesa na cabeça de qualquer um? De todos?
Todos apertados dentro de um veículo lotado.
Entre nós, havia um senhor. Creio que de uns 70 anos. Extremamente humilde.
Ninguém cedeu lugar para ele. Estava em pé.
O senhor, além de esmagado, trazia consigo dois caixotes de madeira, daqueles de transportar verduras, talvez encontrados num lixo e de alguma serventia em sua casa. Tão logo o senhor embarcou, o cobrador já interveio. Disse ser preciso o homem descer ou abandonar os caixotes. Ele – o homem – relutou. Explicou. Argumentou com o pouco vocabulário que sua simplicidade permitiu. Não teve jeito. Ele precisou desembarcar com seus pertences.
Em seguida, as portas do veículo foram fechadas, no mesmo instante em que uma mulher chegou para embarcar. O ônibus ainda estava estacionado. Ela parou. Depois bateu. Depois avisamos o motorista e o cobrador.
Como fingindo não ver, ambos, cobrador e motorista, ignoraram a trabalhadora e o ônibus arrancou.
Comentei com minha amiga como as regras, ou o bom-senso, valem para uns e não valem para outros. O senhor da caixa precisou descer, pois “o FozTrans não permite o transporte de madeira”, mas o motorista pode ignorar um cidadão, como se transportá-lo, dar-lhe mobilidade, fosse um favor prestado à cidade. Aquela mulher teria de esperar, então, uma hora para conseguir pegar outro ônibus da mesma linha.
Um clima ruim tomou conta do ônibus.
Um rapaz criticou o motorista por não ter esperado a mulher. O motorista retrucou com xingamentos. O cobrador também reclamou do fato de o homem estar inconformado. Um outro passageiro partiu para a defesa do motorista, dizendo que ele – o motorista – havia feito certo em fechar a porta, porque queria chegar logo em casa. O primeiro passageiro esbravejou um palavrão e a discussão foi se acalentando até o segundo passageiro, defensor do individualismo, em um momento de completo descontrole, levantar-se e, engastando-se nas barras de proteção, acertou os dois pés no rosto do defensor da passageira abandonada.
O ônibus foi tomado pela violência.
Um bolo de pessoas se socando e outras se defendendo ou tentando apaziguar os ânimos formou-se e o motorista ainda persistiu em andar dois quarteirões até parar o ônibus e ameaçar os dois brigões a descer.
Liguei imediatamente na Guarda-Municipal e alertei sobre o clima de guerra dentro de um veículo do transporte coletivo. Passei o número do veículo, a linha, a localização, etc. Não houve abordagem. Passamos por duas viaturas e nenhuma parou o veículo, mesmo com a Central avisada.
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Desci alguns pontos à frente. O ônibus seguiu.
Sentei em um ponto e fiquei alguns minutos a pensar no ocorrido. A pensar até onde aquilo era uma incapacidade de convivência ou resultado de um estado de estresse desenvolvido a partir de uma sucessão de desrespeitos: o transporte demorado, ineficiente, o senhor obrigado a descer, a mulher abandonada, o motorista (prestador de serviço público) que não gosta de crítica, o passageiro que de defensor passou a ofensor, o homem individualista que usou a violência. A intolerância construída pela própria sociedade, contra ela mesma.
Procurei por minutos achar um responsável por toda aquela tragédia urbana e, agora, em minha casa, na escuridão da madrugada, concluo: somos nós o culpado.
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*Luiz Henrique Dias é dramaturgo, diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído e estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Siga ele á no twitter: @LuizHDias