Mais de 500 pessoas lotaram a Arena O Guarani, na noite de ontem, 21, na 15ª Feira Internacional do Livro de Foz do Iguaçu, para receber a grande homenageada desta edição, a escritora mineira Conceição Evaristo.
Com aplausos calorosos, ela subiu ao palco às 20h, e teve sua conversa com o público mediada pela professora doutora da Unila, Angela Souza. Foi homenageada por poetas e recebeu menção honrosa da organização da feira. A entrega foi feita pelo vice-prefeito, Nilton Bobato, pela secretária de Direitos Humanos e Relações com a Comunidade, Rosa Maria Jerônymo e pelo diretor presidente da Fundação Cultural, Juca Rodrigues.
“Ter Conceição conosco significa uma vitória de um momento histórico para a Feira do Livro, quando celebramos o diálogo e a igualdade. Conceição simboliza este momento e traz luz à nossa literatura, inspirando novos escritores, e trazendo lucidez em sua escrita, a seus leitores”, disse o diretor presidente da Fundação Cultural.
Antes da feira, a escritora conheceu dois dos principais pontos turísticos da cidade: as Cataratas do Iguaçu e a usina de Itaipu e elogiou a natureza; “a água seduz a gente, é maravilhosa”.
Conceição trouxe ao palco um pouco de sua história dentro da literatura brasileira e falou sobre reconhecimento, luta e escuta, ingredientes também condensados na sua “escrevivência”, termo criado por ela, para traduzir e nomear o sentimento do conjunto de vivências, extraído pela escrita.
“Nasci com experiências diferentes de outras escritoras, meu primeiro contato com a literatura foi oral, venho de uma família que fala muito, e esse gosto passa pelo contato com a palavra. Ao mesmo tempo em que éramos (e ainda somos) muito falantes, observávamos, escutávamos muito. O que fiz foi traduzir esse gestual para a escrita, estando alerta para o mundo. A escrita só acontece quando se está atenta”, disse Evaristo.
Escrevivência
A percepção de uma história, tida somente por quem a vive, também levou Conceição à criação de um termo próprio para definir a experiência. A chamada escrevivência, traz à tona, o passado revelado pela história dos negros no país, em especial à figura da mãe preta e à desconstrução necessária ainda hoje. “Um texto que tenta abarcar uma história coletiva, que nasce de um fundamento histórico. Carolina (Maria de Jesus) está aqui, quando conta sua história em Quarto de Despejo, está falando da história de todas as mulheres negras, há valor político enquanto história. O fundamento histórico mostra o imaginário construído (período colonial) e que define as relações raciais hoje, impedindo promoção da discussão e abrandando o sofrimento dos escravos”.
Para ela, escrevivência está diretamente ligada à autobiografia, à subjetividade que cada escritor contamina sua escrita. Em seu caso, sua escrevivência está impregnada pela condição de mulher negra na sociedade brasileira.
Para a escritora, não há como existir maior identificação, se não envolver a própria vivência. “Há uma diferença entre viver e testemunhar”, afirma. Dentro desse universo exaltou os movimentos sociais, e os jovens autores negros. “Não foi a academia que me fez leitora, foram os movimentos sociais que me colocaram diante de vários textos importantes”.
Sobre a produção desses, a escritora foi enfática: “O texto literário não basta ter história para contar e sim saber como contar. Em meus processos gosto de trabalhar com a linguagem popular e tudo que permeia esse universo”.
Ainda que tenha traçado dentro da literatura um perfil único que a diferenciou e destacou de um cenário comum, Conceição revela-se cética ao acompanhar as relações raciais no país. “O fato de ser escritora não me resguarda da vulnerabilidade. As relações raciais no país são complicadas”, disse ao relembrar o comportamento da mídia e do meio literário quando recebeu o prêmio Jabuti de Literatura. “A instituição literária está calcada no racismo, para conseguir um espaço, não é nada fácil”.
Diante do cenário, não há recuo e sim, o que classifica como importante manifestação de uma cultura. No recado a jovens escritores, Conceição foi enfática: “escreva, escrevam, escrevam!”.
Após o encerramento, a escritora passou mais de duas horas recebendo o público para sessão de autógrafos e fotos.