Quem vive em Foz do Iguaçu, sempre que pode, se dá ao direito de “turistar” pela cidade. Tendo basicamente no “quintal de casa” o Parque Nacional do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad Del Este, turistar é uma opção que está disponível a todos os que vivem por aqui.
Mas aí eu te pergunto: quantas vezes você realmente se colocou no lugar de um turista?
Foi com essa pergunta na cabeça que eu tive a ideia de, na última sexta-feira, 08, ir a Ciudad Del Este “turistar”. Me coloquei na posição de um turista de primeira viagem, aquele que nunca esteve na região, não pesquisou e muito menos pegou dicas sobre a cidade, a região e seus atrativos. Assim, fui a CDE em busca de uma câmera de ação GoPro Hero 7 Black.
Para sentir na pele o que um “comprista” inexperiente sente, optei por abrir mão de todo o conhecimento adquirido em mais de uma década trabalhando em CDE e fiz tudo o que sempre digo para NINGUÉM fazer quando está no Paraguai.
Fui até a região da Ponte da Amizade, no bairro Vila Portes, de veículo próprio, assim como muitos turistas fazem. Busquei por um dos diversos estacionamentos situados nas proximidades da ponte, já que minha intenção era atravessá-la caminhando. Mesmo com um carro com placa da cidade, o estacionamento – que não mantinha nenhuma informação sobre o valor cobrado por hora em local visível – me cobrou absurdos R$20 por hora. O valor é absurdo para a realidade econômica de Foz, mas como estava ali no papel de turista não reclamei, até mesmo porque, já paguei muito mais caro em regiões centrais de São Paulo.
Atravessar a ponte caminhando é o tipo de aventura que eu já tinha prometido a mim mesmo nunca mais fazer. Num passado não muito distante, não foram poucos os casos de furtos, roubos e até mesmo latrocínio ocorridos no vão livre entre aduanas. Além disso, neste dia, passados poucos minutos das 09h da manhã, o sol já castigava e o termômetro marcava 35°. O fluxo de pessoas atravessando a ponte em direção a Ciudad Del Este e também na direção contrária era relativamente baixo, e eu logo avistei o motivo; integrantes da Força Nacional de Segurança faziam naquele momento o policiamento de ambos os lados.
Chegando ao lado paraguaio da fronteira, ignorei sumariamente o primeiro grande shopping, localizado ao lado da aduana paraguaia. Muitos turistas acreditam que os shoppings e lojas mais próximos da aduana não oferecem os melhores preços. Como frequentador contumaz do micro centro de CDE, posso afirmar com conhecimento de causa que, este é um grande mito, mas como ali estava eu fazendo o papel do turista, mantive o foco e continuei caminhando.
Mal tinha dado os primeiros passos em direção ao comércio quando fui abordado pelo folclórico vendedor de meia. Dei alguns segundos de atenção ao mesmo, enquanto decidia se deveria ou não começar minha experiência como turista caindo na lábia dele. Mas, segundos depois me recordei que não deveria perder muito tempo por alí, já que o foco era comprar uma GoPro e a hora do estacionamento onde deixei o carro do lado brasileiro estava me custando muito mais caro que o valor das vinte meias que ele me oferecia no momento.
Caminhei por mais um quarteirão, me esforçando para parecer desorientado a quem estivesse me observando, evitando olhar na direção das grandes e confiáveis lojas e dando excessiva atenção aos vendedores ambulantes. Não demorou muito até que essa minha atitude fosse notada por um “piranhita”, uma espécie de guia. Estes, geralmente usam o colete de alguma loja e possuem muitos cartões de visita e panfletos em mãos, para abordarem pessoas nas ruas com a típica frase “Que Procura Pátron?”.
Normalmente, eu simplesmente ignoraria e seguiria meu rumo. Alguns costumam ser bastante insistentes e chegam a nos acompanhar durante a caminhada, mas nenhum deles resiste há alguns minutos de total obscurantismo.
Já estou tão acostumado a ignorar e quase o fiz, mas lembrei em tempo que estava ali como “turista desavisado”. Fui logo abrindo um sorriso para o “piranhita” e revelando minha busca pela câmera de ação. O “piranhita” prontamente me confirmou que a loja que, por um acaso, ele tinha o cartão de visitas, possuía o produto que eu estava buscando e, mais por acaso ainda, estava em promoção naquele dia. Já estava eu, me considerando um turista de sorte pela segunda vez em menos de uma hora, quando o “piranhita” gentilmente se ofereceu para me acompanhar até a loja por ele indicada, que segundo o mesmo, ficava do outro lado da Ruta 7, no Shopping Mina India.
Caminhamos juntos, hora lado a lado, hora com ele na dianteira, por pelo menos 5 minutos. Durante essa caminhada, o “piranhita” fez alguns comentários sobre a qualidade da câmera de ação que eu estava buscando, mostrando ser conhecedor do produto. Ele também fez algumas perguntas que, julgo eu, seriam cruciais para o que viria a seguir. Perguntou se eu visitava com frequência CDE, e obviamente eu disse que não. Como eu havia mencionado que usaria a câmera de ação para uma viagem de moto, o mesmo também me perguntou se por acaso minha moto seria uma Harley Davidson. Pensei seriamente em confirmar, mas preferi salientar que infelizmente eu não possuía dinheiro suficiente para uma Harley.
A conversa prosseguiu e notei que o shopping onde ele havia me informado que estava localizada a loja, já havia ficado para trás. Como ele entrou pelo shopping que mencionei anteriormente, achou que eu não notaria quando mudamos de prédio, utilizando passagens internas que interligam prédios e são muito comuns em CDE.
Após 10 minutos de caminhada entre ruas e atravessar pelo menos dois edifícios, finalmente chegamos a uma loja, relativamente pequena se comparada com o tamanho das mais importantes de CDE. Mesmo assim, parecia estar bem movimentada. Numa breve olhada, verifiquei pelo menos meia dúzia de pessoas na área comum da loja e dois vendedores no balcão. O “piranhita”, que entrou na frente, foi logo anunciando para um dos vendedores o produto que eu buscava e o vendedor, por sua vez, confirmou a existência do produto em estoque sem sequer verificar o sistema no computador à sua frente.
Perguntei sobre o preço do produto, e o mesmo, sem fazer nenhum cálculo. me disse que a câmera GoPro Hero 7 Black que eu buscava estaria custando R$1.300,00. Indaguei sobre o valor em dólares e antes que pudesse ouvir a resposta, ouvi o “piranhita” que ainda estava na loja dizer algo em guarani ao vendedor que me atendia. Suspeitei que, naquele momento, o mesmo estivesse passando ao vendedor as informações que colheu de mim enquanto caminhávamos. O vendedor retrucou ao “piranhita” algo também em guarani e confirmou para mim que o valor em dólares era de U$ 340,00.
Como qualquer turista faria, tomei em mãos um dos cartões de visita que estavam disponíveis no balcão para anotar o valor, pois tinha a intenção de cotar esse mesmo produto em outras lojas antes de decidir pela compra.
Para minha surpresa, antes mesmo que eu pudesse marcar o cartão com a tinta da caneta esferográfica, fui alertado pelo vendedor de que não deveria anotar preços, pois, segundo ele, aquela era uma loja importadora e os valores que ele havia me passado eram muito abaixo do valor do mercado e se divulgados para a concorrência ele poderia sofrer retaliações.
Uma das coisas que fiz, e que provavelmente qualquer turista faria, antes de ir às compras em CDE, foi consultar o valor da câmera de ação em sites de pesquisa de preços, e naquele dia, o valor médio da GoPro Hero 7 Black encontrado nas grandes lojas de CDE era o equivalente a R$ 1.400,00. O valor oferecido naquela loja em questão, estava relativamente interessante, já levando R$ 100,00 de vantagem sobre a maioria dos concorrentes.
Antes mesmo que eu pudesse declinar sobre a oferta, o vendedor me acenou com outras vantagens. Primeiro, me ofereceu a GoPro Hero 5 Black por R$ 650,00 e na sequência a GoPro Hero 6 por R$ 1.000,00. Como eu também já havia consultado esses modelos no site de pesquisa de preços, eu sabia que, naquele dia, o preço médio da Hero Black 5 era de R$ 930,00 enquanto a Hero 6 apresentava valor médio de R$ 1.200,00.
Vantagens, quem não gosta, né? Eu nem sequer havia discutido sobre valores e o vendedor já havia me oferecido em poucos minutos de conversa, três ótimas vantagens. E quando eu achei que nada poderia ficar melhor, o vendedor me informou que eu ainda poderia pagar no cartão de crédito, utilizando uma máquina brasileira em até 12 vezes sem juros e sem o imposto do I.O.F. Confesso que, mesmo estando ali apenas para representar um papel, eu já estava me sentindo tentado a comprar realmente o produto.
Eu nem havia tido tempo hábil para processar todas as informações, quando o vendedor decidiu me ofertar mais uma vantagem, baixando o valor da Hero 5 para R$ 600,00 e o da Hero 7 para R$ 1.200,00. Antes que eu pudesse dizer sim ou não, acrescentou ao pacote um brinde que incluía um bastão de selfie e uma memória de 32gb que, segundos depois, mudou para uma de 64gb.
A conversa do vendedor era frenética, eu mal tinha tempo de respirar e ele oferecia mais algum item para compor o pacote. Na tentativa de me convencer de que realmente ali eu estaria fazendo o melhor negócio, usou seu próprio celular para fazer uma comparação entre os valores por ele oferecidos e o valor desses mesmos produtos no site brasileiro Mercado Livre.
Não, eu realmente não queria comprar absolutamente nada. Havia escolhido aquele produto apenas para ter uma ideia de como seria o dia de compras de um turista em CDE e como a conversa estava evoluindo para algo mais sério, com um vendedor sedento para fechar a venda, achei por bem informar que iria pensar e voltaria mais tarde (eu não voltaria, mas até lá ele já estaria conformado com isso). Olhei em volta, buscando os outros clientes que estavam na loja quando eu entrei e notei que os mesmos haviam se posicionado às minhas costas, entre mim e a porta de saída. E não, eles não agiam mais como clientes, na verdade, naquele momento, pareciam mais seguranças ou leões de chácara.
Quando finalmente transformei meus pensamentos em som e deixei escapar pela boca a informação de que iria sair para pensar sobre o negócio, o vendedor foi incisivo ao afirmar que, não poderia me deixar sair dali, pois se ele o fizesse, seu patrão o demitiria por perder aquela venda.
Olhei novamente em direção à porta de saída, onde os “ex clientes” ainda se mantinham firmes, e olhando novamente para o vendedor fiz outra tentativa de de saída pacífica. Disse que iria apenas comprar uma batata frita para mastigar enquanto pensava no assunto, mas o vendedor, mais que depressa disse que enviaria um dos “ex clientes” para buscar a batata frita. Ele chegou, inclusive, a dar a ordem de busca, mas eu disse que não havia necessidade.
Naquele momento, eu já estava preocupado o suficiente para temer por uma possível retaliação, caso tentasse sair à força. Comecei a dizer que não tinha dinheiro suficiente e que não tinha certeza se meu cartão de crédito teria o limite desejável para a compra.
O vendedor, por sua vez, dizia que eu o estava enrolando, que eu não iria voltar se saísse dali, ofereceu inclusive, sua internet e seu próprio celular para que eu fizesse a consulta dos meus limites de crédito, oferta que declinei educadamente. Tive que prometer mais de uma vez que, só iria fazer uma consulta usando o APP do meu celular onde ele desse área e voltaria Só assim ele concordou com a minha saída e os “ex clientes” finalmente se espalharam pela loja deixando meu caminho livre.
Agradeci, prometi mais uma vez que voltaria em alguns minutos e sai, tentando lembrar o caminho que fiz para chegar até lá. Saí sem olhar para trás, e depois de alguns minutos de caminhada por dentro dos edifícios, finalmente vi a rua e a luz do dia.
Assim que cheguei na rua, ainda sem olhar para trás, parei por um instante e respirei aliviado, estava finalmente na minha zona de conforto. Certo de que a experiência até o momento já bastava para mim, caminhei em direção à aduana com a intenção de voltar ao lado brasileiro. Porém, não tinha dado nem 10 passos quando fui abordado por um dos “ex clientes” que estavam na loja durante todo o tempo em que fiquei lá.
Sem muito rodeio, o “ex cliente” me disse que o vendedor que havia me atendido era um pouco afobado e me perguntou por qual valor ele havia me feito a Hero 7. Respondi ainda caminhando que ele havia me pedido R$ 1.200,00. Nesse momento, o “ex cliente” deu um passo à minha frente me impedindo de continuar caminhando naquela direção e disparou a falar sobre como alguns vendedores são gananciosos e que ele tinha uma outra loja para me indicar onde o valor da Hero 7 era de R$ 900,00.
Eu já estava cansado de fazer aquele papel, disse ao rapaz que não possuía aquele valor e agradeci pela oferta. Não se dando por vencido, o “ex cliente” tentou dar uma última cartada, dizendo que se eu o acompanhasse até a loja em questão, ele liberaria o produto para que eu pudesse levar ao lado brasileiro e que, apenas chegando ao lado brasileiro eu pagasse diretamente a ele. Por alguns segundos, pensei se valia a pena continuar com a experiência de “turista por um dia”, mas lembrei-me de todos os relatos que já ouvi sobre pessoas que haviam acompanhado esses guias “piranhitas” para locais menos movimentados e chegando lá foram assaltados, espancados, torturados física e mentalmente.
Não, nem mesmo pela experiência valeria o risco. Disse então ao “ex cliente” que iria, porém, não antes de comprar minha batata frita. Combinei que o mesmo ficasse me aguardando ali enquanto comprava a batata, mas ali já não estava mais o cara fazendo o papel de turista. Ali, estava o expert em Ciudad Del Este, que entrou por uma porta e saiu por outra, em outro quarteirão, vendo ainda de longe o “ex cliente” que me aguardava para me acompanhar até a outra loja.
Escapei, ileso porém, exausto. Meu “dia de turista” se resumiu a “horas como turista”, horas que pareceram durar dias. Horas em que a certeza se transformou em incerteza e a segurança em insegurança.
Escapei para escrever esse texto e dizer a vocês que nunca, mas nunca mesmo, acompanhem esses guias a nenhum lugar de CDE. Não acreditem em vantagens, comprem apenas nas lojas grandes, sérias e reconhecidas.
Acompanhe o vídeo na íntegra: