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Descanse seu gatilho…

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Bons tempos em que o brasileiro médio era rotulado como “brasileiro e brasileira”, “pés descalços e descamisados”, uns tinham “poder” e outros “aquilo roxo” e a maior discussão entre a massa de manobra se restringia em apontar os assassinos de Salomão Hayalla, Odete Roitman ou quem seria “a próxima vítima” nas mesas de botequins.

Mas aí, veio a banda larga, e a discussão foi levada a outros patamares…

Nas últimas décadas, a discussão, “no que tange” à política, a discussão começou a dividir a opinião do brasileiro médio, causando uma polarização nunca antes experimentada, e, em nome do direito à “liberdade de expressão”, brasileiros passaram a agir na internet como atiradores de elite, sempre à postos, sempre com o olho na mira e o dedo no gatilho, dispostos a atirar ao primeiro sinal de ameaça a aquilo em que eles acreditavam, disparando uma rajada fatal de falácias, quase sempre apoiadas por “meias verdades” que quase nunca eram apuradas, mas que, repetidas à exaustão, se tornavam verdade para aqueles que nunca lidaram bem com o contraditório.

Assim surgiu o ativismo de sofá, uma espécie de argumentação especulativa, defendida quase que exclusivamente pela internet, promovida por pessoas “engajadas” que geralmente desconhecem a realidade da causa, mas que tentam, a todo custo, provar o contrário, empurrando goela abaixo de seus seguidores, sua concepção de verdade e de valor.

Nos últimos anos, já nos dividimos entre “coxinhas” e “mortadelas”, “ele sim” e “ele não”, “golpistas” e “fascistas”, “quarentiners”, “cloroquiners” e uma imensidão de outros “iners”.

Aqui em Foz do Iguaçu, depois de mais de 60 dias de quarentena, onde, pelos menos nos primeiros 30 dias, a cidade praticamente parou e diversas vagas de emprego foram extintas. Foi preciso promover a retomada gradual das atividades do comércio e da prestação de serviços. Alguns foram contra, outros a favor e uma grande maioria, simplesmente continuou vivendo a vida, como se o Covid 19 fosse mais uma invenção da mídia golpista.

O comércio já participava da retomada gradual desde 22 de abril, mas restaurantes, considerados locais que poderiam promover aglomeração, só foram autorizados muito tempo depois. A maioria dos restaurantes, se preparou para a retomada e apresentou planos para manter o atendimento seguindo as orientações sanitárias, mas nenhum deles, e principalmente os que não tinham apenas a atividade de restaurante, mas sim um misto entre restaurante e bar,  estava realmente preparados para um dos efeitos causados pela quarentena; a demanda reprimida e o consumo da vingança. Sem a liberação da reabertura dos bares, os “resto bares” se tornaram a única opção para o iguaçuense, pelo menos neste primeiro momento.

Tanto a administração pública quanto o setor de bares e restaurantes, apostavam em uma retomada lenta, mas ao contrário do previsto, o que ocorreu foi uma corrida aos locais por consumidores sedentos por um pouco de entretenimento. A demanda pegou a todos de surpresa, tornando as medidas de controle de fluxo e permanência ineficientes. O excesso de pessoas nos “resto bares”, e principalmente na porta deles, chamou a atenção da população, principalmente aqueles que defendiam que a quarentena não deveria ser afrouxada, gerando uma enxurrada de denúncias aos órgãos fiscalizadores e postagens na internet. Muitas das denúncias, feitas inclusive e provavelmente, por proprietários de bares, que até o momento não obtiveram liberação para reabertura.

Dois vídeos, originados no mesmo estabelecimento, sendo um na sexta e outro no último sábado, foram os responsáveis por plantar a sementinha da discórdia nas redes sociais causando o levante da discussão sobre a legalidade do funcionamento dos estabelecimentos localizados na avenida gastronômica da cidade.

No primeiro vídeo, postado nas redes sociais na sexta-feira, o autor, enquanto faz uma panorâmica da parte interna do restaurante, solta a seguinte frase: 

“Ae Quarentena ó…. manda pro Resenha…. manda pro Resenha”

A frase em questão, e a imagem de pessoas se divertindo no ambiente que mais parecia um bar do que um restaurante, deu a entender, a quem não pegou a referência, que o autor do vídeo caçoava de quem estava em quarentena enquanto o mesmo estava num bar. Centenas de pessoas foram a público nas redes sociais, revoltados com a possível provocação.

O que muitas pessoas não sabem é que, o vídeo em questão foi feito e postado em um grupo do aplicativo de mensagens instantâneas Whatsapp que se chama “Quarentena dos Drivers” e que, portanto, o autor do vídeo não estava caçoando de quem estava na quarentena. Resenha, no caso, trata-se de outro grupo do mesmo aplicativo de mensagens.

No vídeo postado no sábado, o que se vê é uma confusão descontrolada, causada por uma briga entre duas mulheres no mesmo estabelecimento.

Os dois vídeos foram suficientes para que ativistas de sofá levantassem suas tochas para pedir que o responsável pelo estabelecimento fosse atirado à fogueira. Nem mesmo o fato do responsável vir à público, nas mesmas redes sociais, para explicar os fatos, foi capaz de acalmar os ânimos dos ativistas.

Na tarde de ontem, o estabelecimento em questão e outros localizados na mesma região foram interditados por fiscais da Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu que alegou estar atendendo à diversas denúncias que foram feitas nos canais da administração municipal.

Nas redes sociais, o que mais se via eram supostos influenciadores digitais comemorando a interdição, e afirmando que, se houvesse um retorno à quarentena com fechamento do comércio, esses estabelecimentos seriam os culpados. Alguns colocaram inclusive a culpa do aumento no número de casos de pessoas que contraíram Coronavírus na cidade, na conta destes estabelecimentos, negligenciando a informação de que os 14 novos casos, na verdade eram uma sub notificação e as pessoas já estavam inclusive curadas.

Afirmação infeliz, de pessoas que, provavelmente, só conhecem a cidade que pode ser vista através da tela do celular e do computador.

É muito fácil colocar a culpa das mazelas da cidade na conta de empreendedores honestos, que geram centenas de empregos e impostos e fechar os olhos para a verdadeira realidade da cidade.

Uma cidade que, durante mais de 60 dias, não parou nenhum dia de funcionar nas sombras. Enquanto esses influenciadores viviam sua quarentena gourmet, postando receitas no Instagram e curtindo as lives no Youtube, uma boa parte da cidade, que nunca entrou na estatística dava adeus a seus empregos, já que, para boa parte da população brasileira, fazer “Home Office” está fora da realidade. Outra parcela desta mesma população, seguiu sua vida, como se Coronavírus fosse apenas uma “gripezinha” daquelas que dá e passa.

E enquanto empresários honestos davam suas caras à tapa, discutindo a reabertura, outros, nem um pouco honestos, se aproveitavam da estupidez humana para faturar centenas de milhares de Reais, promovendo festas privativas em chácaras e casas de bairros afastados, onde a administração pública nunca chegou. Mas isso, nenhum ativista denunciou, até porque, esses locais não possuem CNPJ e estes eventos não foram anunciados em nenhuma rede social que um influenciador que se preze frequentaria.

Os empresários dos estabelecimentos interditados tiveram culpa? Sim, mas apenas pelo fato de ter subestimado a força de uma demanda reprimida somada à falta de bom senso de seus consumidores, que fizeram tudo o que foi possível para burlar as limitações impostas pelos estabelecimentos e acabaram dando, para os ativistas de sofá, a munição necessária para reclamar muito nas redes sociais.

E se houver a necessidade de um lockdown na cidade, nenhum desses empresários merece carregar essa culpa. Porque a maior culpa é da própria população, que não teve bom senso e não soube usufruir da pequena liberdade que lhe foi concedida, não apenas frequentando bares, mas até mesmo praticando exercícios e caminhando pelas ruas sem atender à regra do uso de máscara em locais públicos. Aliás, preciso comentar que não tenho verificado nenhuma ação por parte da administração pública, ou de pesssoas denunciando para a mesma, fazendo pedidos para fiscalizar ou aplicar multas a quem descumpre essa regra, coisa que acontece diariamente, à luz do dia e nas principais vias da cidade.

Agora, se após essa quarentena, algum destes estabelecimentos não voltar, ou estes que sequer obtiveram a liberação para abrir, não abrirem, por favor, atribuam a culpa e cobrem destes, que não pouparam esforços para gritar aos quatro cantos da internet iguaçuense pedindo a cabeça dos empresários em uma bandeja.

Para vocês, que estão aí, lendo este texto, no conforto de suas poltronas, eu só digo uma coisa; existe uma cidade que vai muito além da visão que a janela da sua rede social lhe proporciona, por isso, descanse seu gatilho, parça, e meça suas palavras antes de teclar e culpar quem tenta lutar para manter seu estabelecimento, seus empregados, seu investimento.

Pare de atirar em tudo que não lhe convém, porque em meio aos seus alvos, tem mais inocentes do que vilões…

O conteúdo é de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representa a opinião do Portal Clickfoz

 

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