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Trabalhei como motorista de aplicativo em Foz do Iguaçu

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Há mais de um ano, desde fevereiro de 2018 para ser mais exato, uma guerra épica é travada entre os modais de transporte existentes na cidade. O primeiro ano de operação do transporte por aplicativos em Foz do Iguaçu foi marcado por protestos, acusações e denúncias de ambos os lados, além é claro, de casos isolados de enfrentamentos  entre taxistas e motoristas de transporte por aplicativo.

O último caso de enfrentamento se deu neste feriado de Páscoa, quando, segundo informações amplamente divulgadas nas redes sociais, um taxista teria supostamente agredido uma motorista de transporte por aplicativo no estacionamento de um hotel. A acusação, primeiramente partindo da suposta vítima de agressão, horas mais tarde foi rebatida pelo motorista acusado que usou para sua defesa um vídeo feito pelo próprio, onde é possível verificar que a motorista do transporte por aplicativo, após uma acalorada discussão sobre os direitos e deveres, caminhou em direção ao motorista de táxi, que ainda estava dentro de seu veículo e aparentemente, deu o pontapé inicial que resultou nas vias de fato. Ainda de acordo com as publicações de ambos os envolvidos, as partes finalizaram a disputa registrando o fato na delegacia que provavelmente irá averiguar o ocorrido e apontar os culpados.

Você que acompanha meus textos aqui na coluna, sabe que eu adoro fugir da seara do “achismo”, e sempre que possível, me coloco em situações onde é possível sentir na pele o que pessoas naquela situação específica sentiriam. Em minha última aventura, senti na pele o que acontece com um turista “desavisado” tentando fazer compras no Paraguai pela primeira vez, você pode conferir essa aventura AQUI.

Antes mesmo do fato que envolveu taxista e motorista de aplicativo acontecer, resolvi aproveitar o feriadão de Páscoa para sentir na pele o que sente um motorista de transporte por aplicativo, e o relato dessa experiência, você acompanha no texto abaixo:

Como a discussão entre motoristas de táxi, motoristas de aplicativo e poder público acontece há muito tempo, resolvi viver o fim de semana de um motorista de aplicativo que segue à risca, o que diz a legislação municipal vigente e os app’s de transporte exigem. Para tanto, tratei de, antecipadamente, providenciar meu cadastro em dois dos principais aplicativos de transporte atuantes no Brasil e disponíveis em Foz do Iguaçu. Como a previsão de aprovação do cadastro apontava para “até 07 dias” de espera, dei início ao cadastro, enviando todos os documentos solicitados uma semana antes do feriadão.

Enquanto aguardava a aprovação dos cadastros, tratei de pesquisar entre as locadoras de veículo da cidade – as que oferecem vantagens e descontos para motorista de aplicativo – a que oferecia a maior vantagem, haja visto que eu não tinha a intenção de alugar o carro por mês, mas apenas no feriado, e que, para ter uma real noção do suposto lucro que poderia ser obtido, precisaria de um carro com especificações próximas ou iguais às que boa parte dos motoristas de aplicativo utilizam. A locadora que melhor atendeu à minha demanda foi a IGUFOZ, então tratei de fazer a pré reserva do veículo – um Ford Ka 1.0 ano 2018 Flex – já que naquele momento, precisava ter acesso aos documentos do veículo para finalizar meu cadastro em ambos os aplicativos. Sobre valores, confira na tabela mais abaixo no texto.

Dois dias após finalizar o cadastro nos app’s, recebi sinal positivo de um dos aplicativos me informando que a consulta a meus antecedentes criminais havia sido finalizada e meu cadastro havia sido aprovado. Na quinta-feira, último dia antes do início do feriado, a aprovação do meu cadastro junto ao outro aplicativo – o mais famoso deles – ainda estava pendente. Mantive a fé de que, o prazo de 07 dias prometido na finalização do envio de documentos, seria cumprido, porém, na sexta-feira meu cadastro ainda se encontrava pendente de aprovação. Os métodos – nada transparentes – da empresa dona do app para a consulta dos meus antecedentes, acabaram me impedindo de fazer deste experimento, uma imersão mais completa na vida de quem dirige para aplicativos de transporte, mas, ainda assim, na sexta-feira bem cedinho, preparei o veículo – que já estava à minha disposição, limpo e cheiroso – e dei início ao trabalho conectando-me ao aplicativo.

No início deste texto, informei que minha intenção seria a de fazer o transporte por aplicativo seguindo à risca as regras estipuladas pelo município. No quesito cadastral, as exigências são as mesmas exigidas pelo app, e sem cumpri-las não é possível sequer finalizar o cadastro. Por não ter interesse – pelo menos, não por enquanto – em continuar prestando este serviço após o término desta imersão, não busquei providenciar cadastro junto à Foztrans. Também não é possível cadastrar o veículo e fazer vistoria do mesmo na Foztrans, já que o veículo é locado. Para seguir as regras estipuladas, durante as 35 horas em que atuei como motorista de transporte por aplicativo, só atendi chamadas geradas a partir do aplicativo, não fiquei parado com o veículo em nenhum ponto da cidade, muito menos em pontos turísticos ou proximidades de hotéis e atrativos, não aceitei nenhuma proposta de transporte “por fora” do app. Também não ultrapassei os limites demarcados para atuação pelo app, evitando assim levar passageiros para os países vizinhos.

O início da jornada

A manhã de sexta-feira não foi das mais proveitosas, cheguei a ficar mais de 40 minutos sem receber uma chamada. À tarde, a demanda aumentou, mas junto com o aumento da demanda, aumentou também a quantidade de motoristas à espera de um chamado.

Para você que não conhece o sistema do aplicativo, quando um passageiro solicita uma corrida, o aplicativo dispara a solicitação para os veículos que estejam à disposição e dentro de um raio de distância da origem do chamado. Ganha a corrida, o motorista que estiver com a melhor conexão de internet e clicar primeiro no botão “Aceitar Corrida”.

É preciso também dizer que, o motorista não sabe quem é o passageiro ou para onde ele vai antes de aceitar a corrida, portanto, seria impossível evitar turistas, pontos turísticos e aeroporto como gostariam os motoristas dos outros modais disponíveis na cidade. Eu, mesmo evitando, acabei fazendo duas viagens com turistas – que não estavam em pontos turísticos – nesta jornada de 35 horas.

Alguns usuários do app também não colaboram em nada para manter o bom relacionamento entre motoristas de táxi e motoristas de app, e fazem a solicitação de uma corrida exatamente em um ponto de táxi. O motorista do app só descobre que vai embarcar um passageiro em um ponto de táxi quando chega ao local, e aí, o “climão” com o colega de profissão que tem ponto já foi instaurado.

Na sexta-feira, finalizei o aplicativo à meia-noite completando assim, cerca de 16 horas de trabalho no meu primeiro dia como motorista de aplicativo.

O sábado amanheceu sem sol, e a experiência da manhã de sexta-feira me fez optar por voltar para a cama, já que a jornada do dia anterior ainda me cobrava esse descanso. Aproveitei a manhã e o comecinho da tarde com a família e só dei início à minha jornada às 18h. São Pedro também decidiu iniciar sua jornada às 18h, e assim que assumi a direção do veículo desabou uma chuvarada daquelas. O que poderia prejudicar minha meta de viagens naquele dia acabou ajudando.

Assim como eu, muitas pessoas foram pegas de surpresa pela chuva enquanto estavam fora de casa e a demanda por viagens retornando aos bairros aumentou na mesma proporção da chuva. Quando a chuva finalmente passou, eu já estava motivado o suficiente para superar a calmaria que sucedeu as chuvas e esperar uma nova onda de demandas.

A demanda veio, e não parou mais, durante toda a madrugada, quase que sequencialmente.

Quando dei por mim, já passava das 05h da manhã e eu sequer havia parado para jantar, estava fazendo uma corrida para Santa Terezinha. Sim, você não leu errado, atendi um chamado e quando embarquei o passageiro, o destino era Santa Terezinha. Pra minha sorte, o passageiro já era usuário contumaz do transporte por aplicativo e entrou logo me avisando “Olha, eu sei que é inviável fazer uma corrida para Santa Terezinha, mas não se preocupe que vou complementar o valor por fora do aplicativo”, eu nem discuti.

O sistema de transporte por aplicativo só consegue praticar valores tão baixos para o passageiro porque, supostamente, proporciona para o motorista, corridas para ir e voltar sempre com passageiro, mas é óbvio que eu não conseguiria alguém para trazer de volta de Santa Terezinha para Foz às 05h da manhã, então, aquele complemento veio bem a calhar para salvar uma viagem que se tornaria um prejuízo memorável.

Finalizei minha jornada de sábado, já no domingo pela manhã, cansado, mas com aquele gostinho de missão cumprida. Na somatória do valor arrecadado, mais que o dobro do dia anterior.

Após boas horas de descanso e um almoço de Páscoa em família, minha jornada de domingo teve início às 18h finalizando à 00h. O domingo, não teve a mesma demanda do sábado, mas a quantidade de viagens atendidas ainda foi melhor que a da manhã de sexta-feira.

Após três dias de jornada como motorista de transporte por aplicativo, veja abaixo os valores gastos e arrecadados:

Embora a planilha aponte um lucro de quase duzentos reais, a experiência não foi exatamente “lucrativa”. Existe um erro comum, cometido por muitos empreendedores individuais, nesta planilha.

Perceba que nesta planilha, eu não inclui o valor do meu trabalho. Se levarmos em consideração que um trabalhador formal, com carteira assinada, trabalha em média 08h por dia, o total de horas efetivas em que trabalhei como motorista de aplicativo equivaleria a 04 dias de trabalho formal.

E dividindo o valor do lucro líquido por 04 dias, eu ganhei apenas R$43,43 por dia. Este valor me garantiria um salário de aproximadamente R$1.120,00 trabalhando durante todo o mês, com direito a um dia de folga por semana.

O que eu aprendi com a experiência:

Evitar os pontos turísticos foi um erro, estar próximo a eles poderia facilmente ter dobrado o número de viagens realizadas e por consequência, meus ganhos.

Qualquer deslocamento sem passageiro conta como prejuízo, rodar vazio praticamente inviabiliza o negócio.

Nunca deixe todas as balas em local de fácil acesso, nem todos os usuários do transporte por aplicativo tem discernimento para pegar apenas o necessário. Minhas balas se esgotaram em pouquíssimas horas. Na quarta viagem já não possuía mais nenhuma para ofertar.

Destinos e histórias inusitadas

Se você pretende se tornar um motorista de aplicativo, táxi ou qualquer outra variação desse tipo de transporte, esteja preparado para navegar por mares nunca antes navegados, ou pelo menos não na condição de condutor.

Em minha breve experiência como motorista de aplicativo, acabei fazendo um freela de consultor matrimonial para um casal que se desentendeu na balada e resolveu terminar o relacionamento durante o transporte. Em outra ocasião, fui coaching de negócios enquanto transportava uma empresária que enfrentava sérios problemas de rentabilidade em seu negócio e até agente de turismo, quando fui consultado por um passageiro que tinha dúvidas sobre uma viagem para um país da Ásia.

Mas, definitivamente, a cereja do bolo nesta experiência de três dias foi atender um chamado de uma filha que solicitou o transporte por aplicativo para levar sua mãe a um motel da cidade onde seu namorado a esperava. A mãe, extremamente envergonhada solicitou desembarcar na parte interna do motel, para não ser vista entrando a pé…

Adentrei ao motel imaginando o que minha esposa diria se me visse naquele momento…

Kaká Souza é colunista do Portal Clickfoz e autor do Guia Definitivo de Compras no Paraguai

Este texto não reflete necessariamente a posição do Portal Click Foz do  Iguaçu.

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