Foz do Iguaçu é considerada área endêmica para a leishmaniose canina visceral. Situação agravada pelo aumento no número de casos: 30% nos últimos três anos, de acordo com dados do Centro de Controle de Zoonoses. Em 2015 eram 790, número que subiu para 1.038, no ano passado.
Buscando novas formas de combate à doença, o professor da área de Biologia da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Kelvinson Fernandes Viana, vem realizando, com estudantes de graduação e mestrado, pesquisas para o desenvolvimento de um medicamento e de uma vacina preventiva.
A leishmaniose visceral canina é transmitida por um vetor, o flebotomíneo ou flebótomo, conhecido popularmente como “mosquito-palha”. Os sintomas da doença incluem o emagrecimento e fraqueza (o animal fica caquético), perda de pelos, feridas e gânglios inchados, entre outros. Não há cura para o animal infectado, apenas controle da carga parasitária e da sintomatologia. A leishmaniose também acomete humanos, mas pode ser curada. No Brasil, a grande preocupação são os animais.
O objetivo de uma das pesquisas é a obtenção de um medicamento, para animais e humanos, a partir do óleo essencial de uma planta do cerrado – a Siparuna guianensis. “Um dos problemas dessa doença, tanto em animais quanto em humanos, é que existem pouquíssimos medicamentos para o tratamento. Essa planta já foi testada em larvas do Aedes e como repelente, e mostrou um efeito muito bom. Também existem resultados sobre cândida e algumas espécies de estafilococos. Mata muito bem e é um produto natural”, explica o pesquisador. “Queremos ver se o óleo dessa planta tem atividade leishmanicida, se consegue matar o parasito, sem matar as células de animais ou humanos”, completa.
Na Unila, os pesquisadores estão fazendo o cultivo dos parasitos (leishmanias) para os testes em células animais e humanas. “O parasito se esconde dentro das células. Se [o produto] matar as células, significa que é tóxico. Muitos medicamentos acabam falhando aí”, detalha Kelvinson.
Os testes de laboratório são a primeira fase da pesquisa e devem mostrar se a droga é eficiente e se não é tóxica. Essa fase deve estar concluída até julho, segundo o pesquisador. “Os testes laboratoriais são rápidos. A dificuldade maior é cultivar o parasito, porque cultivar o leishmania não é tão fácil como cultivar uma bactéria, por exemplo. Há uma dificuldade maior para crescimento e alguns outros detalhes nessa prática de cultivo”, esclarece.
Além de buscar um produto, a pesquisa é uma ferramenta de ensino. São os alunos de iniciação científica que estão fazendo os testes laboratoriais, um processo com muitas repetições. “Eles repetem até ficarem práticos, porque, quando for testar o produto, não pode errar. Não pode ter contaminação, não pode ter nenhum erro. Tudo é muito caro (reagentes, tudo), a gente não pode se dar ao luxo de errar neste momento”. Além disso, os resultados desses processos são usados em aulas práticas na disciplina de Parasitologia, do curso de Biotecnologia, comenta o professor.
Se o produto demonstrar que tem efeito positivo, inicia-se a segunda fase da pesquisa, que são os testes clínicos. Segundo Kelvinson, testes preliminares, feitos em outra instituição de pesquisa, mostram que o óleo de Siparuna teve ação parcial contra o parasito, mas não foram feitos testes em células. “A gente tem de infectar a célula e, depois, testar o produto na célula infectada.”
Para os testes clínicos ou testes em animais, o pesquisador deve buscar parcerias com clínicas veterinárias da cidade. Essa é uma fase mais demorada – deve levar entre dois a três anos. O teste clínico é obrigatório para o licenciamento do medicamento pelas autoridades de saúde e também para o teste de campo, a última fase da pesquisa.
Biotecnologia e vacina
Uma outra pesquisa de Kelvinson e seus estudantes trata do desenvolvimento de uma vacina contra a leishmaniose visceral canina, uma alternativa preventiva. A pesquisa foi objeto de sua tese de doutorado e de seu período de docência na Universidade Federal do Tocantins. “A pesquisa envolve muita biotecnologia, e conseguimos alguns resultados interessantes com testes em animais em laboratório. Uma das minhas vontades é testar algumas vacinas a campo.”
O corte de orçamento para pesquisas, uma realidade nacional, é um dificultador para o teste em campo. “A gente poderia testar em larga escala aqui em Foz, porque são resultados que já passaram por testes de laboratório e mostraram-se eficientes”, explica. Mas ainda são necessários testes clínicos, obrigatórios para o licenciamento do produto pelos órgãos do governo. “Diferente de testar um medicamento numa clínica [caso de medicamentos], preciso de canil, e a gente não tem”. Ele não vê possibilidade de parcerias com outras instituições da região e acredita que seja necessário buscar universidades mais distantes geograficamente, o que envolve um gasto muito maior.
A vacina que está sendo pesquisada por Kelvinson é baseada em bioinformática. A bioinformática e a biotecnologia são ferramentas que estão facilitando e reduzindo o tempo de pesquisas. “Hoje em dia, com as ferramentas de genômica, se consegue desenvolver uma molécula em programa de computador. E, a partir daí, testar aquela molécula no animal, já com resultados preliminares. O nome disso é ‘predição'”, ensina Kelvinson. “Fazemos predição – tentamos prever o que aquela proteína ou aquela molécula vai nos dar de resultado. Antigamente, se testava às cegas: um, dois anos, para ver que não funcionava”, conta.
A busca pela “melhor molécula” para uma pesquisa é feita por simulação de computador. O pesquisador insere um número de proteínas que podem ser testadas – 100, por exemplo – e, por simulação, esse número é reduzido – a duas, por exemplo. Depois dessa predição é que a molécula será desenvolvida em laboratório. “Há muitos produtos no mercado feitos à base de bioinformática. A gente reduz tempo, reduz gastos e os resultados tendem a ser melhores.”
Os programas de predição são de livre acesso na internet, em que se faz um rastreamento de possíveis moléculas para serem usadas como vacinas. Kelvinson explica que a predição também pode ser usada para a busca de uma molécula para o diagnóstico de doenças como o câncer ou doenças infecciosas.
“Essa ferramenta é alimentada por pesquisadores, que usam bancos de dados alimentados por outros pesquisadores, que, à medida que vão avançando com suas pesquisas genômicas, vão depositando as informações”, explica. É uma rede global, reunindo pesquisas do mundo inteiro. “Só consigo usar essa ferramenta porque alguém, em algum momento, trabalhou com a parte de genética ou genômica dos micro-organismos e começou a depositar seus resultados.”
A doença
A leishmaniose não tem cura parasitológica no animal, diz Kelvinson, apenas cura clínica, ou seja, é possível controlar os sintomas, mas o parasito permanece no cão, que é “reservatório” – animal que tem todas as condições para que o parasito se mantenha vivo dentro dele. Segundo o pesquisador, o animal com leishmaniose, normalmente, tem uma alta carga parasitária na pele, que é o tecido atacado pelo flebotomíneo. Os órgãos parasitados são pele, baço, fígado, medula óssea (normalmente com mais carga parasitológica) e linfonodos.
Kelvinson chama a atenção para o fato de que o cão não transmite a doença para humanos ou outros cães: o cão infectado transmite o Leishmania infantum para o vetor (mosquito-palha), que leva o parasito para outros animais ou para o ser humano. Como acontece com a dengue, que é transmitida pelo Aedes aegypti.
O ideal para o controle de leishmaniose, explica o pesquisador, é uma série de medidas: prevenção, controle de vetor e vigilância epidemiológica. Para a prevenção, estão disponíveis hoje a vacinação e o encoleiramento com repelente. O problema, ressalva Kelvinson, é o custo da vacina e da coleira, que tem de ser trocada a cada três a quatro meses. De alto custo também é o tratamento – existe apenas um medicamento licenciado (Miltefosina) pelos órgãos governamentais, por isso a busca de um novo produto, que possa gerar, também, redução de preços. “O tratamento é caro. Uma pessoa de baixa renda não tem como fazer – fica mais de mil reais – e a recomendação é que a cada quatro meses o animal faça uma bateria de testes. Se estiver piorando clinicamente, tem de entrar com nova intervenção terapêutica com o mesmo medicamento.”
Outra preocupação é se o único medicamento hoje disponível possa, ao longo do tempo, gerar casos de resistência parasitária e deixar de fazer efeito, como acontece com antibióticos. “Ainda não temos nenhum caso, mas pela experiência com outras drogas, outras doenças, sabemos que é possível acontecer.”