Manter as tradições e o modo de viver indígenas e, ao mesmo tempo, conviver com um mundo em constante transformação são os desafios que Delmira de Almeida Peres se propõe a abordar em seu trabalho de mestrado “Saberes indígenas, metodologias e processos de ensino-aprendizagem”. Indígena e moradora da Reserva Indígena Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, Delmira é pedagoga e diretora auxiliar no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo, localizado na reserva, onde ela também reside.
Ela está finalizando os créditos e começa a preparar a dissertação do mestrado Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos (IELA). “Vim fazer o mestrado porque sonho em subir de nível nos estudos e, ao mesmo tempo, para mostrar, não só para a comunidade, mas também para a sociedade brasileira, que o indígena também é capaz. Para dar exemplo para os indígenas que estão na aldeia, que estão estudando”, diz. “Desde criança, sempre pensei: tenho que dar o exemplo.”
Delmira acredita que estudar é uma necessidade cada vez maior para os povos indígenas. “Acabou a floresta, não tem mais caça, não tem mais pesca, [nossa ferramenta de trabalho] não é mais a canoa, nem a flecha, principalmente aqui no Oeste do Paraná, na fronteira onde vivemos”, comenta. No seu projeto de mestrado, Delmira quer mostrar que é possível conciliar a educação formal com os saberes indígenas, buscando metodologias e processos de ensino e aprendizagem adequados a esse objetivo. “A gente sabe muito bem que não é mais como antes e procura estratégias para um ensino-aprendizagem voltado ao conhecimento indígena, que esteja mais próximo”, explica. “Se não praticarmos [a cultura e tradições], vão se acabar.”
Futuro
A educação é preocupação crescente na Reserva do Ocoy, diz Delmira, que enfrentou muitos desafios para poder cursar a faculdade de Pedagogia. “Hoje, no Ocoy, temos dois estudantes de Pedagogia, na Unioeste, dois estudantes de magistério e um fazendo Administração”, comenta com orgulho. “Vejo que eles estão mais interessados”, diz. Segundo ela, 15 alunos estão terminando o ensino médio e demonstram interesse em fazer um curso superior. Na reserva, onde moram entre 700 e 750 indígenas, 310 estão matriculados em diferentes níveis escolares (do pré ao ensino médio).
Delmira, além de pedagoga, é uma conselheira para os alunos. “Oriento muito bem eles. Claro que é importante o conhecimento científico para enfrentar os desafios que estamos vivendo nesse mundo com tanta tecnologia, mas, ao mesmo tempo, valorizando e praticando nossa cultura. Sempre no sentido de preservação e de resistência”, conta.
Segundo ela, um grupo de professores indígenas está produzindo, aos poucos, materiais específicos para alfabetizar as crianças da aldeia, voltados à tradição, ao guarani e à língua materna. “O nosso sonho é alfabetizar o aluno indígena dos anos iniciais só na língua materna. Esse é nosso sonho. Para depois, no terceiro, quarto ano, iniciar o português. Vejo que só assim se vão manter a língua e a tradição, o modo de viver indígena”, acredita.
Exemplo
A força para buscar seus objetivos veio dos pais, conta a estudante. “Eles eram analfabetos, mas eram exemplo em tudo. Eles sempre falavam, ‘não é que a gente sofre de miséria, a gente planta de tudo, tem de tudo, mas eu quero que vocês estudem’. São essas palavras que eu estou seguindo, estou tentando fazer e tentando dar o exemplo.”
Delmira lembra que o fato de ser mulher é um desafio a mais. “Sofri bastante para estudar, mas consegui. Fiz Pedagogia à noite, tive que sair de casa, de segunda a sexta-feira, mas consegui”, comenta. “Nós, mulheres indígenas, estamos à frente. Pensa-se que as mulheres indígenas são muito submissas, mas não somos. Estamos lutando. Quero que as mulheres também sigam esse exemplo, porque a gente [homens e mulheres] tem de trabalhar um ao lado do outro. Nem à frente, nem atrás, ao lado”, ensina.
“Para mim é uma gratificação, um desafio e uma honra orientar essa aluna”, diz a docente Maria Eta Vieira, que é orientadora de Delmira no mestrado. “Ela tem tudo para fazer um trabalho muito bom e que tenha repercussão direta na vida dela e dessas comunidades”, completa.