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Foz do Iguaçu que o programa "A Liga" esqueceu de mostrar

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“Um dos lugares mais caóticos da América do Sul” assim o programa “A liga”, da TV Band, exibido terça (11), define a Tríplice Fronteira, região formada por Foz do Iguaçu (Brasil), Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina). Para validar o julgamento uma edição a lá “24 horas”, esbanjando criatividade, e apresentadores encarando os “perigos” de peito aberto (Rafinha Bastos acompanhou um tiroteio no meio da mata, chegou a tremer e suar frio… uau, impressionante… o próprio Jack Bauer) e um roteiro carregado de elementos que comovem e chocam o público (pobreza, prostituição, exploração de crianças…). No quesito “forma” uma perfeição, com edição tecnicamente primorosa. No entanto, a condução equivocada da pauta resultou em uma reportagem que constrói uma imagem fragmentada e incompleta da região.

Sabe aquela regra básica válida para uma reportagem, especialmente as polêmicas, “CONTEXTUALIZAÇÃO”? Toda matéria – seja sobre pessoa, lugar ou fato – deve  ser CONTEXTUALIZADA para que o público entenda o todo e não tome um recorte como verdade absoluta.  O fato do técnico Dunga não escalar Neymar gerou uma repercussão “X” para quem acompanha futebol. Para quem não é muito ligado em esporte, não teve o mesmo impacto. Por isso, os jornalistas ao questionarem Dunga durante a coletiva sobre o porquê dessa exclusão fizeram referência “à excelente atuação do jogador na atual temporada pelo time do Santos”. A simples menção foi o suficiente para tornar compreensível ao público – conhecedor ou não de futebol – o motivo da torcida questionar a não convocação de Neymar.

Agora, imagina ignorar a importância da CONTEXTUALIZAÇÃO na produção de um programa transmitido por uma das maiores emissoras de televisão do Brasil e apresentando por profissionais com fãs (isso mesmo, FÃS, o que aumenta a relevância de cada mensagem). Foi isso que ocorreu no programa sobre a Tríplice Fronteira exibido pela “A Liga”. 

Na Tríplice Fronteira EXISTEM, INEGAVELMENTE, problemas com prostituição, contrabando e tráfico de drogas e armas. Dentre as milhares de pessoas que cruzam a fronteira entre Brasil e Paraguai há muitas que o fazem em busca de mercadorias para revender posteriormente, não respeitando a cota de 300 dólares por pessoa. Há também os contrabandistas de armas e drogas.  Prostituição é outra realidade em vários pontos das cidades que formam a Tríplice Fronteira. Vergonhoso, preocupante e real. Sim, esses problemas existem.

Mas, qual o critério para eleger a união entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Este como “um dos lugares mais caóticos da América do Sul”? O Brasil faz fronteira com o Paraguai em outros pontos e o contrabando e tráfico ocorrem de modo tão intenso quanto aqui.  O próprio entrevistado que faz transporte de contrabando afirma que possui mais de 20 documentos de identidade falsos que usa para atuar nesse esquema que existe nas fronteiras brasileiras com o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai. Segundo ele, fatura mais de R$ 4 mil por dia na Ponte da Amizade, fora o lucro com O MESMO ESQUEMA NAS OUTRAS FRONTEIRAS.  O entrevistado repetir que "atua" em várias fronteiras não fez diferença no momento de rotular aqui como “Uma das mais caóticas”. Repito: não negamos a existência do problema, mas a abordagem é preocupante. Qual o parâmetro para atribuir um título pesado como “pior” ou “melhor” comparando com outros lugares se os problemas são semelhantes? (Pensamento aleatório: explicar demais compromete o sensacionalismo e as frases de efeito, né?!)

E os turistas que procuram o comércio paraguaio para a compra de mercadorias a preços convidativos para consumo próprio, respeitando a cota ou se propondo a pagar o imposto? Um turista de Porto Alegre entrevistado declarou que pagaria o imposto sobre o valor excedente e, ao contrário do que a reportagem mostrou, esse público é a maioria. Desde que a Aduana Brasileira foi reformada e a fiscalização reforçada, o fluxo de muambeiros está reduzindo. O crescimento de apreensões em outras fronteiras é fruto disso. Como a pauta fala tanto do aspecto da ilegalidade, não caberia mencionar que gradativamente o perfil dos consumidores que atravessam a Ponte da Amizade está mudando? Existem ações ilegais, mas, em contrapartida, cada dia o cerco a essas pessoas se fecha. Sem utopia e bem longe do ideal, mas já há uma reação positiva para combater o problema.

Uma das primeiras frases do programa é “Na Liga vamos conhecer as pessoas que vivem da Tríplice Fronteira, seja lá como for”. Como a reportagem mostrou basicamente as pessoas que vivem da ilegalidade, devo presumir que sou “criminosa” também? Olha que beleza que é não contextualizar e abusar de frases de efeito.  Aliás, outra afirmação que reforça isso: “Na Tríplice Fronteira é muito difícil distinguir quem está envolvido ou não com a indústria da muamba”. E há mais pérolas: “Este homem não veste terno e gravata, mas é um especialista em Comércio Exterior” (se referindo ao entrevistado que coordena o esquema para transportar contrabando); “Na fronteira você faz o que quer” e tantas outras.

Para não cometer o mesmo que a “A Liga” informo que citaram que o turismo é importante à cidade também. A informação de que Foz do Iguaçu recebe 2 milhões de turistas por ano, com imagens das Cataratas do Iguaçu, mereceram cerca de 10 segundos dentro do programa que teve uma hora de duração. Aliás, serviu para separar a entrevista do contrabandista das prostitutas da Av. Brasil.

Por falar nisso, além de ignorar elementos de contextualização, conseguiram perder o foco da reportagem.  Abordaram a prostituição como se fosse uma “configuração exclusiva da região” ou por acaso as garotas de programas de outros lugares têm uma “rotina” e riscos diferentes dos enfrentados pelas prostitutas de Foz do Iguaçu? O conteúdo sobre prostituição renderia uma matéria, boa inclusive, válida para Foz do Iguaçu ou qualquer outra cidade do mundo que enfrenta esse problema.

Gerar polêmica pela polêmica? Buscar audiência a todo custo? Não consigo definir razão suficientemente plausível para justificar o lamentável show de horrores que “A Liga” produziu explorando um problema que há décadas pessoas de bem tentam resolver. Denunciar a situação para pressionar o Governo para resolvê-la não parece ser um dos objetivos. Se assim o fosse, mostrariam que nos últimos 10 anos, a profissionalização do turismo está gerando novos empregos, tirando muitos trabalhadores da informalidade e, principalmente, da ilegalidade. Mas, para que, né?! Isso não dá audiência.

Descontextualizar os problemas de modo a reduzir a Tríplice Fronteira a isso, além de ferir o princípio da ética jornalística, é tão nocivo e imoral como a condição de marginalidade e pobreza retrada pelo programa. A diferença é que esse estrago – inevitável, pois afetará a economia local ao assustar os turistas – foi causado de modo consciente ou, por acaso, nos dias em que a equipe ficou por aqui não soube que na região também se localizam a maior usina hidrelétrica do mundo em geração de energia e as Cataratas do Iguaçu que concorrem ao título de uma das “Sete Maravilhas Naturais da Humanidade”;  que há uma diversidade cultural reunindo mais de 70 etnias; que funcionará a UNILA, entidade de ensino superior que reunirá estudantes de vários países da América Latina; que desenvolvemos programas de sustentabilidade que são referência mundial;  que no Parque Tecnológico de Itaipu são desenvolvidos projetos como o carro elétrico… Mas, essas são coisas insignificantes, né?! Ou será que não contam porque não dá para brincar de Jack Bauer no meio da mata ou fazer aquela cara de pânico ao “descobrir” muamba em casas situadas nas margens do Rio Paraná? Coisas boas não dão audiência, ok. Reforço, não precisava  fazer um documentário sobre a cidade, porém, no mínimo, deixarclaro que o programa mostraria apenas UM lado da Tríplice Fronteira.

Esse texto não tem por intuito atacar ou ser “resposta” ao programa “A Liga”. Também não é o “choro” de uma moradora indignada por terem “falado mal da minha cidade” e que nega os problemas sérios que aqui existem. Trata-se da manifestação de uma jornalista que preza pela responsabilidade no trato das informações. Contextualização, respeito à essência dos fatos, repúdio ao sensacionalismo barato, ética e bom senso são OBRIGAÇÕES dos profissionais que têm ao seu alcance os meios de comunicação, especialmente no caso de um programa de TV com repercussão nacional.  Para a equipe de “A Liga” é apenas mais uma atração que conseguiu boa audiência. Para quem mora e trabalha na Tríplice Fronteira o estrago será sentido por muito tempo, pois rótulos como “vivendo da ilegalidade” e “um dos lugares mais caóticos da América do Sul” são pesados demais à imensa parcela de pessoas HONESTAS que aqui residem. 

Leia este texto como um esclarecimento, especialmente aquelas pessoas que nunca passaram por aqui. Pode visitar, sem medo, mesmo que não seja super-herói e não tenha colete à prova de balas. Há problemas, claro, como em outras cidades. Todavia, não há uma guerra instalada, com barricadas nas ruas ou tiroteio no meio da ponte. Ah, não irá encontrar só prostitutas na Av. Brasil que, aliás, recentemente foi reformada e está muito bonita. Posso enumerar coisas bacanas (como fiz anteriormente), mas já me alonguei demais. Digite Foz do Iguaçu no Google que verá muito mais do que o retrato reducionista e descontextualizado da produção de “A Liga”. Ou, melhor, pergunte aos milhares de turistas que todos os anos visitam a região. Estamos longe da perfeição econômica e social, porém distância igualmente expressiva existe da “terra sem lei” retratada pela Band. Prefiro acreditar no que meus olhos observam todos os dias e, posso garantir, é bonito demais, apesar dos problemas.
 

Observação: Este texto especial retrata a posição do portal ClickFoz sobre o programa "A Liga", da Band, exibido no dia 11/05/2010.

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