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Não Somos Muambeiros

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 As pessoas, principalmente de fora de Foz do Iguaçu, incluem-se aí os servidores federais que acabam vindo para a cidade por terem passado num concurso e rezam para ir embora, partem do pressuposto que todos nós, iguaçuenses, somos ou traficantes, ou contrabandistas de armas ou, na melhor das hipóteses, muambeiros.

Sair de Foz levando qualquer objeto eletrônico é sinônimo de dar explicações para o Estado.

No aeroporto, já me habituei a levar a nota fiscal do meu computador, dignamente comprado, com pagamento dos devidos impostos, para não ter problema com a Receita Federal. Já pediram por lá a nota do meu iPhone e da minha câmera, comprados no Brasil, e até perguntaram se eu havia trazido meu relógio no Paraguai. Tento não me aborrecer com isso, apesar de, certas vezes, ficar um pouco transtornado.

Há um mês, no aeroporto de Porto Alegre, os dois voos procedentes de Foz foram taxiados até um terminal de desembarque diferente do habitual e passamos, todos, quase duzentos passageiros, por uma “geral” humilhante da Polícia Federal.

Agora, pela rodoviária, aí sim somos tratados como bandidos.

E não é somente pelos servidores federais. Até os funcionários das empresas duvidam da idoneidade de todos.

Já havia ouvido relatos de abusos, tanto na rodoviária quanto nos postos de fiscalização. Mas, como há alguns anos não saia da cidade por via terrestre, já havia perdido a noção de como a situação era ruim.

Semana passada, fui dar uma palestra em Pato Branco. Um dia antes, ao comprar a passagem, fui indagado pelo atendente do guichê da empresa se eu levaria “muamba” comigo. Disse “não, estou indo a trabalho”.

Então, recebi um carimbo na passagem dizendo “SEM MERCADORIA DO PY”. Achei estranho, mas segui meu caminho.

No outro dia, me apresentei ao embarque. O pessoal da Receita Federal não estava por lá.

Como estou acostumado a fazer viagens curtas, costumo levar apenas uma mochila. Dentro dela, uma troca de roupa, meu computador (com nota), cabos, um ou dois livros, produtos de higiene pessoal e papéis. Nada mais. É uma mochila pequena, normal.

Ao apresentar o meu bilhete ao fiscal da empresa, ele colou um adesivo em minha bolsa e disse “bota lá”, apontando para o bagageiro. Obviamente eu me recusei. “Vou levar comigo”. “Não pode” – disse ele, seco – “tem que levar embaixo”. E puxou a minha mochila!

Aí eu perguntei o porquê de levar no bagageiro uma mochila pequena contendo, apenas, pertences pessoais. “O pessoal da Receita não quer que deixemos ninguém levar mercadorias lá dentro”, “Não levo mercadorias”, “Não interessa”.

Nesse momento, o embarque já estava encerrado e um fiscal da empresa me alertou “você está atrapalhando e nós queremos ir. Se não colocar embaixo, vai ficar”. Ao final, depois de muita discussão e humilhação, consegui acordar com o motorista que minha bolsa iria em um bagageiro especial e, “logo após passar o posto de fiscalização, poderia subir”, mas, para isso, tive que abrir a mochila e mostrar aos funcionários da empresa que não havia nada de errado dentro dela. Um deles até perguntou “E esse notebook aí? Tem nota?”.

O motorista cumpriu sua palavra e devolveu-me a bolsa próximo à Céu Azul.

Fiquei a pensar, durante a viagem, o quanto nós iguaçuenses sofremos com esse estereótipo de contrabandista ou qualquer coisa irregular. O quanto somos julgados por nossa origem, por pessoas de fora de nossa cidade ou realidade. O quanto somos taxados por uma atividade, em sua grande maioria, exercida por quem não é daqui e só vem para cá fazer compras ou praticar irregularidades.

Estamos construindo uma cidade nova, com uma base econômica fundada na educação e no desenvolvimento social. Representamos uma geração que não está aqui para explorar, tirar proveito e ir embora. Queremos ficar, ajudar a desenvolver a cidade e o país. Não somos todos sonegadores, traficantes e contrabandistas.

Aqui, ao contrário do que pensam, a maioria das pessoas é de bem e, se ser de Foz e de bem era a exceção, caro leitor, virou a regra.

Só que isso, nem a Receita e nem as empresas de transporte explicam aos seus funcionários.

 


 

 *Luiz Henrique Dias é diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído, escritor, estudante de Arquitetura e Urbanismo e Gestão Pública. Siga ele lá no twitter: @LuizHDias

 

 
 

 

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